Na velha casa, na florida e estreita rua, mora um poeta. A casa é antiga como os cabelos dele.
Passo os dias a observá-lo, às vezes, ele me parece tão próximo, quase dentro de mim.
Ele não sabe que eu existo, tampouco desconfia da inquietação que me provoca.
Todas as tardes vejo-o debruçado sobre a velha janela, compondo versos feitos de olhares distantes.
certa feita ouvi-o recitar uns versos, eram lindos versos, escondi-me no vão do muro que nos separa, e fiquei quieta, ouvindo as palavras frágeis que dançavam na voz do poeta.
Ele declamava, ria, chorava, e depois calava tudo a sua volta num silêncio reparador.
Um dia a curiosidade e inocência de menina, levou-me até a morada do poeta, com coragem eu bati levemente na porta, que se abriu feito um sorriso, com o olhar dele assentido minha presença, feito um abraço.
Sentados na varanda, contemplamos o final de tarde daquele dia em que nos conhecemos.
- O que te trouxe aqui, menina?
- Vim descobrir do que é feita a sua poesia, pois quando eu a ouço, meu dia se enche de alegria e meu coração se acalma. – Respondi, sorrindo com os olhos.
Ele também sorriu com os olhos e depois com os lábios e por fim, sorriu com palavras, dizendo-me:
- Menina, a poesia é feita de tudo que podes imaginar, das coisas belas até das feias, de tudo que nos toca alma, de tudo que nossas mãos não podem tocar; como as asas dum pequeno pássaro sobrevoando o azul do teu olhar.
A poesia é feita da cisma do poeta em dizer aquilo que ele leva na alma, isso implica dizer muito com quase nada.
Depois em silêncio, meu amigo revirou-se inquieto buscando a paisagem ao nosso redor e disse-me:
- Olhes naquela direção, lá onde o sol se deita, me diga o que vês?
- Vejo o sol se pondo, árvores, um bando de pássaros, as montanhas, o rio e o céu...
- Pois bem, vou dizer-te o que vejo, desse modo, você poderá sentir não do que é feita a poesia, mas de como ela nasce, mas eu não vou olhar para lá com os meus olhos cansados e cegos, vou olhar com o coração do menino de oito anos que mora em mim.
Depois de uma pequena pausa, com o olhar iluminado e com ares de devoção, prosseguiu o amigo menino poeta:
- Vejo a noite caindo feito um abraço de Deus sobre as montanhas, as nuvens recolhendo suas franjas brancas do firmamento, apagando as luzes do céu para descansarem.
O pipilar entardecido dos pássaros avisa os anjos de que Deus vai acordar. A lua é rua mais movimentada do céu, até o menino Jesus costuma caçar cometas por lá. As estrelas são flores que Nossa Senhora plantou no céu para iluminar nossas noites.
Vejo as montanhas trocando carinhos com os ventos, arvores cochichando verdes segredos de amar.
Os pássaros adormecendo seus cantos em velhos galhos feitos de pousos adolescentes.
O vento morno que refresca-nos a alma é o hálito fresco de Deus quando ele reza.
O rio caminhando entre pedras, segue feliz, pois sabe onde quer chegar. A poesia é feliz em ser triste, caminha alucinada na alma dos poetas, nunca sabe em que coração irá repousar.
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Cassiane Schmidt