Tempo de Recomeçar

Tempo de Recomeçar
"Essa história vai emocionar você"

terça-feira, 16 de março de 2010

Dudu cão

Ô Dudu
Por que teve que ser assim
Sem latir pela última vez
Sem olhar pela última vez
Sem dançar nos pés da gente
Empinar as orelhinhas contentes?

E agora, me faça o favor de dizer onde está!
Me cante teu último latido
Cave um pouquinho mais a sala de estar da nossa saudade
Persegue meus passos na grama da tua ingenuidade

E aqueles olhinhos sarados,
Os pés arranhando nossos passos
Os latidos abrindo o portão,
Onde estão?
Eu tentei te achar nas ruas da nossa casa
Te chamava, te implorava
Mas você se disfarçou de noite
Acho que um anjo te vestiu de asas
E te levou, meu amor...

Então, voa querido
Late feliz sobre as nuvens
Sei que o tempo é só um detalhe
E você foi na frente
Abrir os portões
Da nossa casa lá no céu, né?


Ô Dudu

Deve haver um canil aí no céu
Cheio de amiguinhos e de ossinhos gostosos
Um céu da cor da saudade que deixaste aqui!
Mas vá em paz cachorrinho
Nós cuidamos do Sabicho pra ti

Descansa tuas fiéis patas
Que nós seguimos daqui

Até um dia, Dudu!

Três tempos para a morte



I

O relógio na parede do quarto
Faz-me delirar na rotina
Inglória dos ponteiros.
No roteiro gris das horas
Assoalho minhas retinas

O silêncio da gaveta
Devora os poros de mil arrepios
Fortes ou fracos
Cedo ou tarde
Em nosso cais aporta o navio
Laço negro preso na proa
Canto funéreo de mil ais
Um sorriso debochado ressoa
- Sobe, sobe, minha gente:
A morte não cabe numa canoa

A vela na cera despe-se
Ao longo do mar que incendeia
Meia-luz de tormentos
Alumiando o sorriso agreste
No caramelo dos sentidos inocentes

A morte é folha verde viva
Arrancada da árvore morta
Feito fruta cozida
No ventre de uma compota


O olhar na pálpebra dormida
Repousa num ponto
Esfria e reflete:
- O que sobrou de tudo?
- O que levo comigo?
Haverá outro mundo,
Outros amigos?

Descalço.


II


Carros e corpos seguem em romaria
Pelas ruas estreitas do cemitério
Uma laje se abre vazia
Esboça o trono do último império


Não vou ceder a sepultura
Nem ao estreito caixão encerado
Ocultarei meu corpo na pele crua
Em mim nada será enterrado!

Na pele sedosa dum poema
Vou refrescar meus versos
Um anjo destilando cantilena
Lança-me dos céus o ingresso

Não vou pagar a conta deste espetáculo
Este cemitério cinzento de flores artificiais
Onde me estende os braços um insolente buraco
Quero meu corpo nas margens do cais
Onde nada é para sempre
E tudo é nunca mais!

Não quero saber de santos e rezas
Vou sem pressa por outro caminho
Sem este chão feito de pedras
Quero outro ninho!
Um lugar fresco feito de sombra
Onde sol não queime a saudade
Onde as flores sejam de verdade
A morte um gole envelhecido de vinho. Ah!



III


Hei de acordar estirada
Com as mãos cheias de pérolas
Num trigal de nuvens douradas
Longe do escuro e frio cemitério
Onde conspiram as almas penadas!

Hei de ser flor numa nuvem jardim
E lá de cima do cismo oculto
Gargalhas de mil anjos contentes
Acordam todos os mundos

E no céu claro da fé que me guarda
Serei das estrelas o vulto
A lua será minha enseada
Deus um repouso oculto
Nas emoções cansadas

Vou nadar na espuma clara do céu
Feito um passarinho nas asas ritmado
Feitos poemas num destino cordel
No vazio das minhas linhas
Um lugar sossegado
Onde meu versos possam dormir
Acordados.


(Cassiane Schmidt)