Tempo de Recomeçar

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"Essa história vai emocionar você"

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vira o disco

Quinze anos atrás, 1995. Vejam que nem faz tanto tempo assim, explico. Acostumada com os discos de vinis, na velha sala das minhas melhores lembranças, morava um velho toca-discos, que embalou os anelos das paixões de adolescência ao som de Erasmo Carlos, Cartola, John Fogerty, Gil, Caetano, Elis, Legião Urbana, Leandro e Leonardo, Perla, bom, acho melhor parar por aqui... eu era eclética naquele tempo, ainda sou.

Bah! Saudade imensurável essa que sinto do lado A e lado B dessa parte da minha vida.

O velho toca-discos, exigia, vejam que ousado, que quando a música parasse, nós tínhamos que virar o disco para poder continuar ouvindo a canção. Que absurdo, dirão os jovens de hoje, encilhados no sofá de casa com o controle, que de remoto não tem nada, nas mãos...

Nenhuma novidade eu sei, essa de virar o disco, pelo menos para quem, assim como eu, viveu a magia da “velharia” dos anos 80, 90. Bom demais.

Então, num belo dia, quinze anos atrás, enquanto jogava vôlei com alguns amigos, a música “parou”, eu, para minha total desgraça, enquanto preparava-me para sacar a bola ao campo adversário, pedi: - Vira o Cd!

Segundos de silêncio...

Eu e a pobre bola de vôlei ficamos emudecidas diante das risadas que sucederam o meu inocente pedido. Nem preciso contar-lhes, leitores, que virei motivo de piada pelo resto do ano. É que eu não estava acostumada com essa coisa de “Cd”, mesmo depois da sua chegada, o toca-discos ainda arranhava umas canções lá em casa, mas, para a minha tristeza foi por pouco tempo...

O meu velho amigo, confidente de tantas horas, foi-se apagando com a chegada dos CDS...até que ele acabou num velho canto, numa parte esquecida do tempo...suas agulhas ficaram gastas e lentas para um tempo que surgia com uma velocidade atropelante!

De lá pra cá os avanços tecnológicos assumiram proporções continentais. É só conversar com alguém que nasceu em 1950, por exemplo, que conseguiremos ter uma noção de como as coisas evoluíram do ponto de vista das tecnologias.

O homem entrou no século XX a cavalo e saiu de avião! Foi o século dos avanços para nós que vivemos, ainda, na infância da civilização. Tudo é muito recente! Contudo é importante pensar que os avanços não devem ser medidos pela velocidade, mas sim pela qualidade de como as pessoas acompanham este “avanço”. Aí que está o problema. Como exemplo, cito o recente caso dos mineiros que ficaram soterrados no Chile, eu tinha a impressão que eles estavam soterrados no quintal de casa, tamanha foi a cobertura do caso dada pela impressa.

Há um paradoxo nisso tudo, de um lado a tecnologia nos aproxima do mundo, e ao mesmo tempo nos afasta de todo mundo. Vivemos isolados em nossas “redes” de comunicação, muito se perdeu em termos de convivência humana.

A informação não humaniza, ao contrário, acredito que esse excesso de informação acabou banalizando as coisas. Tudo é normal, assassinatos, roubos, coisas que escandalizavam a sociedade a alguns anos atrás, hoje é normal!

Que falta faz os tempos onde os pais e os filhos tinham tempo para conversar, quando os pais tinham tempo de educar seus filhos.

O cristo de hoje é o tempo, culpado pelas frustrações de pessoas fracassadas. Ouvi, um dia desses, uma mãe dizer, achando bonito, que não encontrava tempo para educar seus filhos, vejam só. Então que não os tivesse, serão só mais um problema para a sociedade.

A triste verdade é que não encontramos tempo de ser, num tempo escravizado pela ditadura do ter.

Não vejo mais crianças jogando bola nas ruas, meninas pulando amarelinha, nada disso, o que vejo cada vez mais, são meninos iniciados precocemente na vida adulta, meninas sendo vestidas vulgarmente como adultas por mães imaturas. A infância que costumava dar seus últimos suspiros aos quatorze, quinze anos de idade, hoje não sobrevive aos sete, oito. Vejo o atual cenário com a tristeza ocular de uma Pietà.

Talvez seja a hora de virar o disco...

~

Cassiane Schmidt