Tempo de Recomeçar

Tempo de Recomeçar
"Essa história vai emocionar você"

quarta-feira, 31 de março de 2010

Inês


80 anos. no bolo de velas? Não, em Inês, morando nela,

Colecionando seus cabelos.

As velas ficam no altar, no altar, não mexam, não mexam no altar

Onde moram santos e promessas, onde ela está!
Joelhos e solas, chãos e bocados de histórias.


Nos dedos esporas artroses entortam anéis que não existem mais.

A_final, 80.

Paz?

- Cais, talvez, mas só talvez.

Manhã fé, tardes e noites horizontal – cama -
Muda? Alguma coisa muda?

muda é a cor da chuva que o telhado chora.
O diálogo com / entre os joelhos,
lençol branco da juventude que o tempo molha.
Substâncias químicas dos medos

Mas a fé é que vale para Inês
Capaz de benzer trovoadas com ramos
Ficar encantada com flores
Tomar sorvete como uma menina de sete anos.

O tempo passeia no sorriso dela,
Cora suas bochechas murchas pálidas
Os anos roeram ossos e dentes, mas as plumas ficaram
E o que mais importa? Não sei!

Talvez o sabor do tempo lambendo o suor das janelas
Asas quebradas na fechadura da porta
Desavezo de memórias em jovens gavetas
Cabelos brancos cinzas horas
Toalhas e rendinhas velhas vestindo mesas
Olhos azuis tipo anzóis
Sou peixe pra ti minha senhora.

Rosários massageados IMPRESSIONAM o carcomido dos bagos
Quanta reza!
Não interessa o destinatário das tuas orações
Caminho descalço nas tuas páginas,
Feito nuvem pendurada no céu, no seu varal umedeço.
Inflamado são os anos, 8 ou 80, sempre haverá zíperes abotoando nossas malas, fechando nossas entradas.

....Exorcizadas câimbras de poros e restos de lágrimas,

                                   sobram-lhe as plumas nos cabelos de mais um mês


Nos cabelos de Inês,




(Cassiane Schmidt)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Conto : "Rua sem saída"


A casa onde eu moro fica no final da rua. A minha casa não tem número, todos chamam-na apenas de a última casa.
O meu quarto fica nos fundos, para chegar nele eu preciso atravessar o imenso corredor que abre seus braços para os outros cômodos da casa, que não são muitos, apesar de o corredor ser grande.


Todos os dias ao acordar, a primeira coisa que vejo, ao abrir a janela, é a frase negra na placa amarela: Rua sem saída.


Muitos carros fazem a volta ali, com o tempo os carros começaram a parar em frente de casa, dos carros saíam homens, e, algumas poucas vezes, mulheres.
Eles saíam dos seus carros bonitos, em seguida, Esther lhes convidava a entrar em nossa casa. Esther disse-me que as pessoas costumam se perder e param ali para pedir-lhe informação.
Não entendo porque a Esther precisa se arrumar toda, passar perfume e escovar os dentes e depois me mandar sair de casa, só para dar informação!


Por que essas pessoas perdidas não compram mapas? Eu vi na banca do tio Amadeu vários mapas para vender, pedi a Esther que comprasse mapas e entregasse aqueles que se perdem na nossa rua, assim, eu não precisaria ficar a tarde toda sentada na calçada esperando eles irem embora.


O pior de tudo é quando um vai embora, já chega outro perdido pedindo informação. Não sei porque Esther demora tanto para explicar os nomes das ruas, talvez porque nosso bairro tenha muitas ruas, a professora Edite falou que o bairro onde eu moro, tem mais de 25 ruas, talvez seja por isso, talvez.


O batata frita é meu melhor amigo, ele fica comigo durante a tarde, quando Esther manda eu sair de casa, ele deita-se nas minhas pernas e me faz feliz, tudo nele me distrai.
Na minha casa, quando chove muito, as paredes ficam molhadas e atras do meu guarda-roupa nasce uma cachoeirinha.


Meu pai trabalha numa fábrica de chinelos, ele passa o dia inteiro fora, só volta a noite, quando eu já estou na horizontal do meu cansaço.


O batata frita me avisa quando o papai está chegando, eu sei certinho quando ele entra em casa, a porta da cozinha geme e ouço barulhos de xícaras na mesa, meu pai adora café.
Às vezes ele espia na porta do quarto para ver se estou dormindo, quando tenho sorte, ele entra bem devagarinho e coloca uma bala de menta e dois chicletes de tutti-frutti encima da minha mochila, eu sorrio embaixo do cobertor e durmo feliz.


Durante as tardes na rua, o que mais me incômoda é a poeira que acorda nos pneus dos carros. O pó vermelho amarelado da estrada se mistura aos meus cabelos e meus olhos ardem. A minha asma vem aumentando muito, passo as tardes puxando fôlegos.
Quando o dia está nublado as coisas melhoram um pouco, adoro também quando cai aquela garoa fininha que faz a poeira sossegar.


O dia da semana que mais gosto é quarta-feira, pois este é o dia de folga do papai e também porque ninguém se perde na nossa rua nesse dia. Esther fica irritada, briga comigo e com ele, nós nunca lhe damos motivos, mas ela briga mesmo assim, Esther fala alto, com as mãos na cintura e com olhos fervendo implica com tudo.


Havia uma árvore em frente da minha casa, era ela quem me protegia do sol e do calor, mas os homens do carro verde cortaram-na. Um dos galhos estava caindo sobre os fios de energia elétrica e, por isso, toda a árvore foi cortada, restou apenas o toco, onde eu me sento.
Eu não sei porque a árvore toda teve que ser cortada, se era apenas um galho que estava fora do lugar, um único galho custou-me toda a sombra.


Foi nestas tardes cozendo no sol, que meus olhos aprenderam a colecionar pedras. Conheço todas as pedras da minha rua, seus tamanhos, cores, peso e até o cheiro engraçado que as pedras têm.
A rua também me é inesquecível, pois foi ali que vi meu amigo bata frita morrer atropelado, um carro que parou em frente de casa não viu quando meu amigo veio correndo ao meu encontro e passou por cima dele.


O homem não se importou, mas Esther sim, ela se importou muito, brigou comigo e mandou eu dar fim nesse cachorro pulguento! Depois que ela e o homem entraram em casa, eu peguei o batata frita nos braços, ele ainda gemia e balançava o rabinho, seus olhinhos castanhos se abriam e fechavam, parecia que ele queria me dizer alguma coisa. Levei-o atrás do muro e fiquei agachada com ele em meu colo, eu cantei umas músicas que aprendi na escola, queria ver se ele parava de chorar. Fiquei com o batata-frita até ele dormir. Ele dormiu.
Sem o meu amigo, as tardes passaram-me a ser eternas.
De manhã vou a escola. É o papai quem me leva, a fábrica de chinelos onde ele trabalha fica na esquina da escola onde eu descanso.


O papai é engraçado, mas não quando chora, quando chora ele é triste. Ele não quer que eu o veja chorando, mas quando eu vejo, ele esconde as lágrimas dentro dos dedos, e disfarça dizendo que foi uma pedrinha que caiu no seu olho. Ah, se papai soubesse as pedras que eu escondo nos meus olhos.
De manhã acordo cansada, mas mesmo cansada vou feliz para a escola. Sinto tanta saudade do batata frita.


A professora Lourdes tem cheiro de fumaça e veste umas roupas engraçadas, mas ainda assim é querida. No recreio eu chupo pirulito, canto e pulo amarelinha com as meninas.
Semana passada parei de fazer xixi na cama, o papai me trouxe um cachorrinho de pano como presente. Algumas noites sonho que estou fazendo xixi e faço um pouquinho na cama, mas só um pouquinho.


Eu sei a hora exata que Esther vai me chamar para entrar em casa, é sempre depois que a dona Maria chega em casa com uma sacola de pão, sempre que o Heitor, filho do dono da farmácia, passa de carro com a namorada e buzina para mim, e, finalmente, quando o sol se esconde atras da terceira janela do canto esquerdo do prédio que fica na rua ao lado, nessa hora a porta se abre e Esther me chama.


Depois desse horário ninguém mais se perde na nossa rua.
Nessa hora meus joelhos estão inchados, minha pele arde e eu sinto como se mil formiguinhas cochichassem dentro dos meus pés.
Quando eu tinha o batata frita eu corria um pouco, brincava um pouco, mas sem ele, fico só sentada mesmo, acho que as formiguinhas entram pelos meus dedos e por isso meu pé fica assim.


Eu não entendo porque cortaram a árvore toda, se era apenas um galho o problema dos fios estúpidos de energia elétrica.
A asma me tira a fome e me dá muito sono, mas um sono que a falta de ar não deixa dormir, então para que sentir tanto sono? Bem que a asma podia ser no estômago, assim, quem sabe, a comida mataria a fome da falta de ar.


Quando eu entro em casa, depois que o sol me atravessa, vou tomar banho, quando estou muito triste não tomo banho, durmo assim mesmo. Esther abre a porta e começa a gritar, às vezes ela ri sem parar, as vezes chora, acho-a esquisita, vai ver que ela fica cansada de dar tanta informação, acho que sim, pois a noite ela fica estranha, anda torta, tropeça nas coisas, fede, fala demais e se repete.


Depois do almoço, Esther me manda sair de casa, eu já acostumei, e saio antes de ela mandar. A minha amiga Thelma emprestou-me o guarda-chuva de sua avó, ele me protege do sol, assim eu não ardo tanto a noite.

O bata frita me faz muita falta.


Teve um dia que Esther me chamou para entrar em casa mais cedo, foi logo depois que o homem do carro preto parou em frente de casa e deu-me um pacotinho de balas, eu entrei, naquele dia eu misturei-me as pedras que colecionava.