Tempo de Recomeçar

Tempo de Recomeçar
"Essa história vai emocionar você"

quinta-feira, 11 de março de 2010

r o t i n a



A rotina indigesta a retina
Ratifica linhas retas na visão
Alimenta o hábito incrusto
Não reconhece setas.
Na rotina
O tempo segue em procissão
Na mesmice sagrada das coisas
Veste pseudo certezas.
Não tem passaporte
Gruda na parede das pernas
E fecha os olhos quando dorme.
Na obviedade com que se move
Vê tudo sempre na exata medida
Até o ponto de não ver nada
Daquilo que já não via.
Tem tudo ao alcance
É horizontal
Longe 6565656656565 da rotina
A vida reage
Do avesso avança
Atina
Do certo ao caos
Gira rápida e transversa
Como agulhas costurando linhas
Desfazendo o chão-nosso de todo dia
Descobre o novo
Contempla a dúvida
Ruma o contrário
Troca de roupa
Erra a mão
Vira a página
Todo dia.
Quando enche
Esvazia.


Cassiane Schmidt

terça-feira, 9 de março de 2010

A casa


Na casa
A pia pinga
A laje vaza
A vida escorre
A mulher esconde
Dentro da parede
A raiva que sente
Da vida que leva.
O homem grita
A menina corre
O medo tem voz.
A cama está quente
A comida queima
O homem fuma
A mulher fama
A menina sufocada
Coça a cabeça dos piolhos
Com os olhos colados no chão
No varal a roupa suja o pó da rua
O mato matou a grama do quintal
O homem de preguiça passa mal
O relógio na parede chora
Implora para descansar
Da rotina cinza da casa
Que dorme ao acordar

.




(Cassiane Schmidt)

Última Canção


Me deixe
Vá embora
Me deixe a sós com a solidão
Hoje não me interessam seus discos, seu ritmo, seu tom
Hoje não!

Hoje quero casa vazia
Ouvir atrás das cortinas
Verdes segredos de solidão
Quero poesia na mesa
Ser a voz da canção

Me deixe
Vá embora
Me deixe a sós com a solidão
Hoje não me interessam tuas rimas, tuas cismas, tuas mãos
Hoje não!

Hoje quero dançar no vazio dos teus passos
Arranhar teus frágeis desejos
O chão nosso de cada dia
Levou todos os caminhos pro fim
Hoje acordei feito pesadelo
Tua pior companhia

E não me olhes assim com olhos de partir
Olhos de nunca mais
Hoje sou o cais que leva e não traz
Recolha seus braços e feche a porta ao sair
Não esqueça de levar as chaves
Pois amanhã quem sabe
Será cedo demais pra mim

Mas não me olhes assim, não insista
Hoje sou página virada
Sua última canção!
´
´
´
´
´
(Cassiane Schmidt)

Tudo e nada


Tudo e nada de nós dois foi o que restou
Naquelas tardes de domingo
Onde cantávamos o papa é pop e ríamos
Secando copos de guaraná com Scotch
Eu não percebia que seus gestos e cores
Bordavam em mim uma sina
E que o tempo nos levava pelas mãos

Depois da varanda e das tardes do nosso amor jovem
Veio a noite sobre nós
Feita uma ressaca inevitável do tempo
E chorei baixinho atrás da porta nossos segredos

E o que fizerem de nós esses anos?
Quero as chaves do nosso mundo
Chega de colecionar segundos!
Vou invadir teu sossego profano

Ainda ontem te vi passar na rua
Você não me viu
Eu estava sentada em cima do muro que erguemos juntos
Alucinada de ausência e de saudades tuas

Mas como vou convencer meu coração
Que você mudou de rua?
Que não veste mais aquele jeans desbotado
E não canta mais on love puxando um trago?
.
.
.
(Cassiane Schmidt)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Não vá



Não vá. Não agora, não nesse instante
Espere um pouco mais
Do caos feito de nós,
entre


Não vá!
É tarde, chovem-me os olhos
O vazio que desejas é escuro
Desfaz esse olhar agreste
Estes braços feitos de muro
Não vou abrir as portas!
esquece

Sua voz combina com meu cheiro
Meu olhar encaixa-se no teu beijo
Teus braços são do tamanho do meu medo
Minhas mãos servem nos teus vícios

Espere as janelas acordarem
Em nossos lençóis.
Vamos conversar com as flores
Que plantamos juntos.
Colecionar sorrisos a sós
Aquecer o frio dos invernos
Mas que inferno, Não vá!
Feche a porta.


As chaves estão quebradas
Dentro dos ossos da rotina
Vamos beber vinho?
Guarde a despedida no armário
Na velha caixa de naftalinas


O café está na mesa
Há dois lugares,
E uma tristeza.

Pra quê essa história de despedida,
Se o mundo acaba na esquina
De nossas exatas medidas?

É cedo para partir
Sempre será.
Vamos beber chuva juntos
Arranhar os lábios na areia do primeiro beijo
fique
Estenda seus braços sobre meus desejos
entre

Espere um pouco mais,
Só mais um minuto
Entre no quarto e volte sorrindo
Vou arrancar os espinhos do teu olhar
Aspergir de tua voz doçura
Vou quebrar tuas roupas sujas
Arranhar seus discos e cuspir algemas
Dentro de nossas figuras

Vamos aguardar juntos o fim
Ele não vai nos encontrar.
Vou convencer o destino a esquecer-nos
Não há outra saída
Senão a porta de entrada
Vou apagar as luzes
Desfazer essas malas
Fingir que está tudo bem
Hoje você dorme comigo,
Amanhã também.


- Boa noite, querido.
- ...
´
(Cassiane Schmidt)

domingo, 7 de março de 2010

Nascimento da poesia



Na velha casa, na florida e estreita rua, mora um poeta. A casa é antiga como os cabelos dele.
Passo os dias a observá-lo, às vezes, ele me parece tão próximo, quase dentro de mim.
Ele não sabe que eu existo, tampouco desconfia da inquietação que me provoca.
Todas as tardes vejo-o debruçado sobre a velha janela, compondo versos feitos de olhares distantes.

certa feita ouvi-o recitar uns versos, eram lindos versos, escondi-me no vão do muro que nos separa, e fiquei quieta, ouvindo as palavras frágeis que dançavam na voz do poeta.
Ele declamava, ria, chorava, e depois calava tudo a sua volta num silêncio reparador.

Um dia a curiosidade e inocência de menina, levou-me até a morada do poeta, com coragem eu bati levemente na porta, que se abriu feito um sorriso, com o olhar dele assentido minha presença, feito um abraço.


Sentados na varanda, contemplamos o final de tarde daquele dia em que nos conhecemos.
- O que te trouxe aqui, menina?
- Vim descobrir do que é feita a sua poesia, pois quando eu a ouço, meu dia se enche de alegria e meu coração se acalma. – Respondi, sorrindo com os olhos.


Ele também sorriu com os olhos e depois com os lábios e por fim, sorriu com palavras, dizendo-me:
- Menina, a poesia é feita de tudo que podes imaginar, das coisas belas até das feias, de tudo que nos toca alma, de tudo que nossas mãos não podem tocar; como as asas dum pequeno pássaro sobrevoando o azul do teu olhar.


A poesia é feita da cisma do poeta em dizer aquilo que ele leva na alma, isso implica dizer muito com quase nada.
Depois em silêncio, meu amigo revirou-se inquieto buscando a paisagem ao nosso redor e disse-me:


- Olhes naquela direção, lá onde o sol se deita, me diga o que vês?


- Vejo o sol se pondo, árvores, um bando de pássaros, as montanhas, o rio e o céu...


- Pois bem, vou dizer-te o que vejo, desse modo, você poderá sentir não do que é feita a poesia, mas de como ela nasce, mas eu não vou olhar para lá com os meus olhos cansados e cegos, vou olhar com o coração do menino de oito anos que mora em mim.
Depois de uma pequena pausa, com o olhar iluminado e com ares de devoção, prosseguiu o amigo menino poeta:


- Vejo a noite caindo feito um abraço de Deus sobre as montanhas, as nuvens recolhendo suas franjas brancas do firmamento, apagando as luzes do céu para descansarem.
O pipilar entardecido dos pássaros avisa os anjos de que Deus vai acordar. A lua é rua mais movimentada do céu, até o menino Jesus costuma caçar cometas por lá. As estrelas são flores que Nossa Senhora plantou no céu para iluminar nossas noites.
Vejo as montanhas trocando carinhos com os ventos, arvores cochichando verdes segredos de amar.
Os pássaros adormecendo seus cantos em velhos galhos feitos de pousos adolescentes.
O vento morno que refresca-nos a alma é o hálito fresco de Deus quando ele reza.
O rio caminhando entre pedras, segue feliz, pois sabe onde quer chegar. A poesia é feliz em ser triste, caminha alucinada na alma dos poetas, nunca sabe em que coração irá repousar.
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Cassiane Schmidt